MercAdiNHo de NATAL

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“Ora nós estamos no Natal.

Não me deixe o leitor cá fora, porque o frio aperta e a maldade das gentes ainda é pior do que o frio, a chuva gelada ou a lama. (A maldade das gentes, tome bem nota o leitor no seu caderno, é pior do que a lama.) Fico pois aqui sentado, ao canto da mesa, e sou uma testemunha sorridente das suas alegrias, se está nessa maré, ou tento compreender as suas tristezas, se a roda corre contra si. E podemos recordar os casos que lhe contei no desfiar dos dias, dir-lhe-ei o mais que então não pude dizer, e, sobretudo, ficarei calado a ouvi-lo falar da sua própria vida, que, como a Nau Catrineta, também tem muito que contar. Saberei que malhas e nós tecem uma existência que não é a minha, esta que aqui ando a contar, e uma vez mais descobrirei, sempre com o mesmo espanto, que todas as vidas são extraordinárias, que todas são uma bela e terrível história. Ficaremos calados e pensativos, a ouvir o relógio que vai matando os segundos à nascença para que nós possamos dizer o tempo que vivemos.


Talvez daqui a um ano nos voltemos a encontrar neste mesmo sítio. Tornarei a dizer: «Vai o ano correndo manso entre noites e dias, entre nuvens e sol, e quando mal nos precatamos, chegámos ao fim, e é natal

Para que tenha justificação o meu título de hoje.

Para que a crónica de natal seja natalmente crónica. Mas não desta maneira.”

José Saramago